O ambiente empresarial, sobretudo nas sociedades familiares, muitas vezes se confunde com a vida pessoal de seus sócios. Não é incomum que divórcios, disputas sucessórias ou conflitos patrimoniais cheguem ao judiciário com reflexos diretos sobre empresas. Nesse cenário, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem sido chamado a equilibrar dois valores constitucionais de grande peso: a preservação da família e a continuidade da atividade empresarial.

A complexidade surge porque a empresa cumpre funções distintas. Para os sócios, representa patrimônio, sujeito a regimes de bens e partilhas. Para a sociedade, no entanto, é fonte de empregos, tributos e desenvolvimento econômico. Um litígio familiar mal conduzido pode, em última análise, comprometer toda a cadeia de pessoas que depende daquela organização. O STJ, ciente disso, tem adotado precedentes que buscam reduzir o impacto das disputas afetivas sobre a esfera produtiva.

Um dos exemplos mais relevantes está na discussão sobre a valorização de quotas sociais adquiridas antes do casamento. Imagine um sócio que detinha participação em empresa antes de se casar, e durante a união essa empresa se valoriza consideravelmente por fatores de mercado. Seria justo dividir esse acréscimo com o cônjuge que não participou da atividade empresarial? Para o STJ, a resposta é negativa: a valorização meramente econômica não se confunde com esforço comum, e por isso não integra a partilha. Esse entendimento evita que oscilações externas gerem desequilíbrios patrimoniais na dissolução conjugal.

Se, por um lado, o Tribunal protege a empresa da divisão automática de ganhos decorrentes do mercado, por outro, não tolera fraudes. É cada vez mais frequente que sócios tentem transferir quotas a parentes ou terceiros para escapar da partilha. Nessas situações, o STJ aplica a chamada desconsideração inversa da personalidade jurídica, permitindo que o patrimônio da sociedade seja atingido quando usado como “escudo” para ocultação de bens. Trata-se de um mecanismo de proteção ao cônjuge lesado e, ao mesmo tempo, de preservação da boa-fé objetiva nas relações familiares e empresariais.

Outro ponto de atrito envolve a incidência da pensão alimentícia sobre a participação nos lucros e resultados (PLR). De regra, o STJ entende que essa verba não deve compor automaticamente a base de cálculo dos alimentos, por se tratar de rendimento eventual. Contudo, em casos nos quais o valor pago ordinariamente é insuficiente para atender às necessidades do alimentando, o Tribunal admite que a PLR seja considerada. O que se busca, portanto, é a aplicação do trinômio necessidade–possibilidade–proporcionalidade, sem sobrecarregar desnecessariamente a empresa.

A análise desses julgados revela uma diretriz clara: o STJ atua em duas frentes complementares. De um lado, assegura estabilidade às sociedades, evitando que oscilações de mercado ou disputas familiares inviabilizem sua continuidade. De outro, combate práticas abusivas, impedindo que a personalidade jurídica seja usada como instrumento de fraude patrimonial. Esse equilíbrio confere maior previsibilidade jurídica tanto para empresários quanto para famílias que possuem negócios em comum. Por fim, a lição que se extrai da jurisprudência é que a melhor forma de lidar com esses conflitos é pela prevenção. Contratos sociais bem estruturados, acordos de quotistas e planejamento sucessório reduzem significativamente o espaço para litígios. Quando, porém, a disputa chega ao judiciário, o STJ tem se mostrado sensível à necessidade de harmonizar direitos familiares com a função social da empresa. Dessa forma, protege-se não apenas o patrimônio dos sócios, mas também a estabilidade econômica de todos aqueles que dependem da atividade empresarial.

Advogada

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